Crônicas

Noche de Ronda

Desde cedo, Ronaldo andava às voltas com o Ron Merino, as torradinhas e o queijo e ainda teria que cobrar do Eurico a devolução dos discos emprestados (Dick Farney, Sinatra, Gregorio Barrios, etc ...), que ia tocar logo mais na vitrola de pau marfim, com pezinhos finos.

Era o ritual de sempre, quando os pais e o irmão caçula viajavam nas férias de meio e fim de ano. Tão logo a caravana sumia na esquina, instaurava-se desenfreada jogatina no apartamento 201 da Rua João Lira, 68.

Compareciam em torno de vinte rapazes da mesma corriola, quase todos entre vinte e vinte e cinco anos. Jogava-se e apostava-se em tudo, até em cavalinhos de chumbo, que deslizavam numa pista estreita de lona verde raiada de branco, controlada por um sistema de elásticos acessados a uma manivela de madeira, acionada, em rodízio, pelos interessados (impunha-se o rodízio porque o processo permitia as mais deslavadas mutretas). Outro grupo pequeno, formado pelos duros, entretinha-se com revistas, tomava cuba-libre e filosofava sobre banalidades (era em torno de 1950, e não havia tantos locais e alternativas de diversão como temos hoje em dia). O grosso da turma, entretanto, debruçava-se sobre o pano verde, disputando encarniçadas partidas de ronda. Era o carro-chefe do cassino, com paradas altíssimas, altercações impublicáveis e ameaças de parte a parte que, não raro, degeneravam em promessas de sopapos, que só não se concretizavam pela intervenção de um ou outro preocupado com o andamento das rodadas e, também, de Ronaldo, mais interessado em tirar o barato.

Uma vez distribuídas as cartas, não eram bem-vindas intromissões que perturbassem a concentração dos contendores. Havia mesmo um clima hostil em relação ao grupelho dos sociáveis e barulhentos integrantes do time dos 'filósofos', como eram conhecidos os que não jogavam....

 

 

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